por Beatriz Carvalho*
Escalada, segundo a definição nos dicionários, é uma atividade esportiva que consiste em subir ao topo de montanhas ou rochas íngremes, usando equipamento adequado. Ser um escalador, portanto, é estar apto a ir a esses lugares. Criamos filhos pautados em premissas, valores, nossos históricos como filhos e no cenário que se apresenta ao longo da formação que idealizamos para eles. E são nos conflitos dos filhos que nos deparamos com montanhas e encostas. As pequenas frustrações começam quando eles ainda são pequenos. Depois, aumentam quando chegam à adolescência e à vida adulta, quando precisarão escalar tudo.
Nós, adultos, temos ciência de que eles terão pela frente de escalar muitos desafios no percurso da vida. Será que os treinamos a serem escaladores? Como saberão pular obstáculos sem treino? Como darão conta de dificuldades grandes se não os treinamos para as pequenas? Como enfrentar barreiras se retiramos muitas da frente deles?
Preparo do escalador
O preparo é fundamental para o êxito da escalada. Orientar o filho a lidar com frustrações, a reagir às decepções do cotidiano e a fazer gestão de conflitos são tarefas sofisticadas que precisam ser ensinadas. Crianças e adolescentes têm dificuldades de terem noção exata dos dados e fatos para, posteriormente, tomar uma decisão mais precisa, pois ainda não estão prontos para essa difícil tarefa.
Esse aprendizado é uma função para os pais que, como guias, ensinam os filhos a escalar. De acordo com a faixa etária, é possível ensinar aos poucos a ter uma visão mais sistêmica e que percebam a si e ao outro. Assim, identificam e qualificam suas reações criando estratégias para superar as adversidades e compreender também a reação das outras pessoas. Um bom escalador precisa de muito treino para subir montanhas, afinal, ninguém consegue esse feito sem preparo físico e emocional.
Obstáculos na subida
Quando os filhos se deparam com os obstáculos ou com o inesperado, acionam seus recursos internos, já construídos em família, e começam a praticar a escalada com mais propriedade, além de estarem mais potentes emocionalmente. Geralmente, enquanto ainda não estão encorajados, acreditam que não são competentes para escalar pequenas rochas e é nesse momento que precisamos estar preparados para fortalecê-los, incentivando-os para que se sintam capazes e em condição para tal. Reconhecer seus sentimentos é respeitável porque é legítimo sentir tristeza, raiva, arrependimento e vergonha diante de desafios.
Dar razão incondicional ou se queixar sem focar na resolução dos problemas não ajuda os filhos. Não se trata de achar o erro ou os culpados e sim ensiná-los a resolver problemas com propriedade e autonomia permitindo que se tornem hábeis na gestão de conflitos.
Valorização do percurso
Se os filhos se esforçam para a escalada, é relevante que percebam o quanto valorizamos esse exercício. Provavelmente, escorregarão muitas vezes, enfrentarão situações inusitadas e desafiadoras, sentirão medo… Quando reforçamos que conflitos e desafios fazem parte da vida e que eles são aptos a enfrentá-los com autonomia e com o nosso apoio, sentem-se seguros e reconhecidos pela dedicação em enfrentar os problemas. Quando errarem, pontue o quanto isso os fortalecem porque estão colecionando boas práticas e estratégias, aprendendo a reagir diferente e melhorar a cada situação que se apresenta.
Pico – chegada e retorno
Quando conseguem resolver as questões que se dispuseram a enfrentar, existe uma bela recompensa. Os filhos se sentem empoderados e fortalecidos, percebendo-se capazes e acreditando no próprio potencial de escalador. Pontuar como foi significativo ver a paisagem que nos espera depois do sacrifício de escalar é muito relevante, porque tudo há recompensa, o esforço tem valor e resolver problemas é uma aptidão necessária para conquistarmos nossos objetivos e sonhos.
O cansaço faz parte de lidar com as dificuldades. Os machucados são nossas marcas de bons escaladores, mas teremos de chegar até a descida sem birras, reclamações e histerismos. Quando os filhos chegam ao pico, consideram missão cumprida, mas, na verdade, é na volta que a tarefa fica completa. Vamos ter de enfatizar que, para resolver as questões, precisamos ir até o final. Podem até contar conosco, mas sempre terão de ser protagonistas dessa história para que, de fato, sejam bons escaladores. Faça com que o retorno seja tão importante quanto o início do desafio.
Próxima montanha
Quanto maiores as barreiras a enfrentar, maiores as chances de serem fortes na resolução de problemas e conflitos. Gradativamente, ofereça oportunidades e paisagens diferentes aos filhos. Cada situação é única de aprendizagem. Veja tudo como aprimoramento das habilidades e melhoria de sua performance.
Quando queremos poupá-los de tudo, achamos que não devem sofrer e, pior, envolvemos ou responsabilizamos terceiros por suas frustrações. Isso é um desserviço na formação de um indivíduo mais maduro que enfrenta a vida com mais propriedade. Esse exercício começa muito cedo, desde a primeira infância, e segue ao longo da vida com as próximas montanhas.
Nossa jornada, como pais, é longa e complexa. Quando focamos na criação de escaladores, tornamos nossos filhos mais resilientes e menos vulneráveis porque estão aprendendo a escalar a vida. Provavelmente, não precisarão de tantos recursos externos para serem felizes, acabam consumindo menos, ficam mais afastados das drogas, pois aceitam melhor as frustrações e sabem lidar com elas de forma a se respeitar e buscar soluções.
Quando sabem que têm controle socioemocional e que são capacitados, precisam de menos para serem felizes. Para os pais que fizeram a força-tarefa de fortalecer seus filhos com afeto, firmeza e na direção da autonomia, a sensação de missão cumprida é gratificadora. Com filhos mais independentes, mais chances de êxito no futuro. Assim também seremos pais mais independentes, porque os filhos estarão conduzindo plenamente suas vidas. Desejo boas práticas de escalagem, ao lado dos filhos!
*Beatriz Carvalho é orientadora educacional do Ensino Médio, no Colégio Sidarta (Cotia, SP)